Um Grupo Econômico de Fato consiste na união de duas ou mais empresas que, embora possuam personalidades jurídicas distintas e independentes, atuam de maneira coordenada e sob uma direção unitária ou com comunhão de interesses, sem que exista um vínculo jurídico formal que as caracterize como um grupo de direito (a exemplo da constituição de uma holding ou de um consórcio).
A caracterização do Grupo Econômico de Fato não depende de um contrato ou ato societário específico, mas da análise de circunstâncias fáticas que demonstrem a integração e a atuação conjunta das empresas. Consoante o disposto no § 3º do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inserido pela Lei nº 13.467/2017, a mera identidade de sócios não é suficiente para a sua configuração.
Para que seja reconhecido, é imperiosa a demonstração de elementos como:
- Interesse integrado: A busca por objetivos comuns que transcendem o interesse individual de cada empresa.
- Comunhão de interesses: A partilha de estratégias, planejamentos e resultados.
- Atuação conjunta: A efetiva colaboração e coordenação nas atividades empresariais.
A principal consequência jurídica do reconhecimento de um Grupo Econômico de Fato, especialmente na esfera trabalhista, é a responsabilidade solidária entre as empresas integrantes pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. Isso significa que o empregado poderá exigir o cumprimento de seus direitos de qualquer uma das empresas que compõem o grupo, independentemente de qual delas o tenha contratado formalmente.
Nos corredores de grandes conglomerados, uma questão recorrente permeia o planejamento estratégico e tributário: até que ponto empresas com CNPJs distintos, mas pertencentes ao mesmo grupo, são vistas como entidades separadas pelo Fisco?
Recentemente, discussões em torno de cenários hipotéticos, como uma suposta “Solução de Consulta 72/2025”, reacenderam o debate. A premissa é que empresas com mesmo quadro societário, administração e objeto social poderiam ser unificadas, centralizando a apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
Embora a ideia de uma “conta corrente única” para fins de IRPJ seja atraente, a realidade imposta pela legislação e pela interpretação da Receita Federal é diferente e carrega implicações muito mais severas. Não se trata de uma faculdade ou de um benefício para o contribuinte, mas sim de uma ferramenta do Fisco para combater a evasão e garantir o recebimento de créditos tributários: a responsabilidade solidária.
Neste artigo, vamos desmistificar o conceito de grupo econômico de fato e suas verdadeiras consequências para a apuração de tributos.
O que configura um grupo Econômico de fato para fins tributários?
A legislação brasileira, em regra, preza pela autonomia da personalidade jurídica. Cada CNPJ representa uma entidade com suas próprias obrigações e direitos. Contudo, quando a separação é meramente formal e, na prática, as empresas atuam de forma unificada e com confusão de interesses, o Fisco pode desconsiderar essa separação.
O entendimento, consolidado em diversas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e no fundamental Parecer Normativo COSIT nº 4, de 2018, estabelece que um grupo econômico de fato se caracteriza pela demonstração do interesse comum na situação que constitui o fato gerador do tributo.
Os principais elementos que a autoridade fiscal observa para essa caracterização são:
- Direção ou Administração Compartilhada: Pessoas ou diretores que tomam as decisões estratégicas para múltiplas empresas do grupo.
- Quadro Societário Comum: Identidade ou sobreposição significativa de sócios e acionistas.
- Confusão Patrimonial: Uso de ativos, recursos financeiros e garantias de uma empresa em benefício de outra sem a devida formalização e contrapartida.
- Relações de Dependência: Uma empresa que só existe para atender às necessidades de outra, sem autonomia de mercado.
- Atuação Coordenada no Mercado: Empresas que, embora com CNPJs distintos, apresentam-se ao mercado como uma única entidade, compartilhando marca, ponto de venda e estratégias.
Responsabilidade Solidária, não apuração centralizada
Aqui reside o ponto mais crítico e muitas vezes mal interpretado. A caracterização do grupo econômico de fato não autoriza o contribuinte a consolidar seus resultados, ou seja, compensar o lucro de uma empresa com o prejuízo de outra para apurar um único IRPJ. A apuração do IRPJ e da CSLL continua sendo individualizada por CNPJ.
A consequência real é a imposição da responsabilidade solidária, prevista no Art. 124 do Código Tributário Nacional. Isso significa que, se a Empresa A do grupo tem um débito fiscal e não o quita, a Receita Federal tem o direito de cobrar a totalidade da dívida de qualquer outra empresa do grupo (Empresa B, C, ou a holding).
Para um conglomerado, isso representa um risco sistêmico. A saúde fiscal de uma subsidiária pode contaminar diretamente o caixa e o patrimônio das demais empresas do grupo, independentemente de sua própria performance financeira e de sua conformidade fiscal.
Implicações estratégicas para o planejamento fiscal de conglomerados
- Gestão de Risco Ampliada: A diretoria financeira e jurídica precisa ter uma visão holística do passivo fiscal de todas as entidades do grupo. Uma autuação em uma empresa de menor porte pode escalar e se tornar um problema para as mais lucrativas.
- Governança Corporativa Robusta: É fundamental manter uma segregação clara e bem documentada das operações, contabilidades e patrimônios de cada empresa. Contratos de mútuo, acordos de compartilhamento de custos (rateios de despesas) e transações entre partes relacionadas devem ser formalizados com rigor e seguir valores de mercado (princípios de arm’s length).
- Cuidado com o Planejamento Agressivo: Estruturas que visam segregar atividades lucrativas em empresas no Lucro Presumido e atividades deficitárias em empresas no Lucro Real, apenas para otimização tributária, são alvos fáceis para a caracterização do grupo econômico e a desconsideração da estrutura pelo Fisco.
- Processos de M&A (Fusões e Aquisições): Durante a due diligence para a aquisição de uma empresa, é crucial investigar não apenas a empresa-alvo, mas também a existência de um potencial grupo econômico de fato do qual ela faça parte, pois passivos ocultos de “empresas-irmãs” podem ser herdados.
Da oportunidade percebida ao risco real
A ideia de unificar a apuração de tributos para empresas de um mesmo grupo, embora pareça uma vantagem lógica, não encontra respaldo na legislação fiscal brasileira. A realidade é o seu oposto: uma ferramenta poderosa nas mãos do Fisco para garantir a arrecadação através da responsabilidade solidária.
Para conglomerados, a mensagem é clara: a interdependência operacional e administrativa, se não for gerida com extrema governança e clareza jurídica, cria um elo de responsabilidade fiscal que pode atravessar os limites dos CNPJs.
A gestão proativa, a documentação rigorosa das transações intercompany e uma assessoria contábil e jurídica especializada não são apenas boas práticas, mas sim uma necessidade vital para mitigar riscos e garantir a sustentabilidade e a segurança jurídica de todo o grupo empresarial.